“Embora não estivesse nos meus planos, recebi a notícia da gravidez com tranquilidade. No dia seguinte à confirmação, comuniquei ao meu amigo, agora pai da minha filha Luiza, e de imediato começamos a organizar tudo para a chegada dela”, lembra Layla.
Desde então, todas as consultas e demais compromissos que envolvam a pequena Luiza, os dois cumprem juntos, tudo é dividido. “Com Lulu eu percebo que o preconceito aparece quando eu conto nossa história a quem não nos conhece, aí sempre se referem ao pai dela como meu ex-marido ou ex-namorado, mesmo explicando que sempre fomos amigos”, conta.
Há quase três anos, Layla começou a namorar a veterinária Isabel Sampaio, 33. Desde o início da relação, Bel, como é chamada, externou seu desejo de ser mãe estando em um relacionamento ou não. Pouco depois de um ano de casadas resolveram fazer uma inseminação caseira a partir do semen de um doador anônimo. A intervenção deu certo e Lília está para chegar em junho.
“Sofremos discriminação com três obstetras, ou insistiam na pergunta de quem era o pai, mesmo nós explicando que não tinha pai e sim um doador, ou questionando se eu era a amiga que estava acompanhando Bel e não sua esposa. É diferente do que aconteceu com Luiza, mas a raiz é o mesmo preconceito”, afirma Layla.
Para a professora, o Dia das Mães já deveria ter sido substituído oficialmente pelo Dia da Família. Do jeito que é, para ela, não passa de uma data para o consumismo. “Há vários formatos de família, inclusive, sem mãe. Imagine o sofrimento de uma criança na escola, por exemplo, como os filhos do ator Paulo Gustavo? Entendo que esta data precisa ser mais um dia importante de luta”, diz
Reconhecimento
Lutar é um dos verbos que fazem parte do vocabulário da líder comunitária, em Garanhuns (PE), Renata Alexsandra Gonçalves de Souza, 44. “Infelizmente nasci no corpo errado”, afirma a primeira mulher trans da cidade do agreste pernambucano.
Antes de completar 18 anos e tomar a decisão de fazer o processo de transição para o gênero que sempre se identificou, Renata foi casada com uma mulher, desde os 14 anos, com quem teve quatro filhos. “Por preconceito do meu pai e da minha família tradicional do município, ele colocava na minha cabeça que eu tinha que ser homem”, relembra.
Por quase 30 anos, Renata viveu se apresentando como era, uma mulher, mas oficialmente nos documentos os dados eram masculinos. A retificação dos registros oficiais é mais um dos problemas enfrentados por pessoas trans e que muitas vezes serve de instrumento para a discriminação.
Renata é chamada de pai pelos dois casais que são seus filhos e têm entre 24 e 28 anos. Além deles, ela já é avó de seis crianças.
“O Dia das Mães é uma data muito importante para nós mulheres trans e para todas as outras mulheres que também são mães. Ser mãe é algo muito forte, não é para qualquer uma e isso não depende do sexo biológico. É também uma data de reconhecimento para todas nós que assumimos a maternidade”, declara.
Espaço e visibilidade
É numa casa, na cidade de Salgueiro, sertão de Pernambuco, que o Dia das Mães também ganha o sentido de resistência. A autônoma Adriana Gomes da Silva, 38, nunca pensou em gerar uma criança, mas sonhava em ser mãe por adoção. Quis o destino que ela não tivesse um, mas quatro filhos.
Adriana foi casada por 17 anos com outra mulher com quem criou o filho Davi, adotado de uma família do mesmo município. O casal participou de todo processo gestacional, consultas de pré-natal, compra de enxoval, preparação de quarto e até levou a mãe biológica à maternidade.
“Costumo dizer que Daniel é um presente de Deus. Aqui, por ser interior, é muito mais complicado para a pessoa homossexual assumir, não sofremos violência física, mas já fomos vítimas de muito preconceito. Uma vez na escola, um colega disse que ao meu filho que era para ele se afastar porque ele tinha duas mães. Conversamos com a professora e a família do menino e resolvemos a questão, hoje temos uma boa relação. Mas sabemos que nem sempre é assim”, conta.
Adriana ficou viúva e casou novamente há cinco anos com Cristiane, que já tinha três filhos, hoje com 18, 21 e 23 anos. “Não vemos a mídia mostrar família como a nossa e é importante que a gente apareça também no Dia das Mães porque as pessoas ainda julgam muito quem é homossexual. A partir do momento que as pessoas passam a conhecer, entender, acaba o preconceito. Aqui conquistamos o nosso espaço e podemos andar pela rua de mãos dadas, mas sei que na maioria dos lugares não, por isso é muito importante essa visibilidade”, explica.