Mesmo com repercussão de mortes, Pernambuco continua carecendo de políticas e casas de acolhimento a transexuais
Pernambuco foi apontado como o quinto estado com mais assassinatos contra a população trans em 2021 em números absolutos – FOTO: Anthony Wallace/AFP
Assassinatos contra travestis e pessoas trans que aconteceram no último ano no Estado reverberaram pelo Brasil e acenderam alerta para a necessidade de ações que protejam esse grupo – também integrante da sociedade. Desde então, no entanto, pouco foi feito
Desde criança, a enfermeira Fernanda Falcão ouvia da família que ser travesti era algo “demoníaco” – até se descobrir uma. Então, ao se apresentar como uma mulher trans, foi expulsa de casa com apenas 15 anos, e precisou, a contragosto, prostituir-se para se alimentar. Ela, hoje com 29 anos, diz que a própria história poderia ter sido mais fácil se tivesse encontrado apoio institucional do Estado – algo que, em Pernambuco, mas também em todo o Brasil, ainda considera insuficiente, mesmo diante da alarmante violência contra pessoas LGBTQIA+, que hoje têm como uma das principais demandas a criação de casas de acolhimento.
A Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) levantou que 140 pessoas trans foram assassinadas no Brasil em 2021. Dessas, 135 eram travestis e mulheres transexuais, e cinco eram homens trans e pessoas trans masculinas. O dado, recentemente divulgado em dossiê, representou uma queda em relação a 2020 (quando 175 trans foram mortos), mas ainda figura acima da média (123,8), calculada entre 2008 e 2021.
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Pernambuco foi apontado como o quinto estado com mais assassinatos contra a população trans em 2021 em números absolutos, subindo duas posições em relação a 2020, quando foram registrados sete casos. Levando em conta os dados dos últimos cinco anos, o Estado figurou em sexto lugar com mais mortes de transexuais, com 46 casos. O dossiê ainda aponta que o processo de violência contra essas pessoas começa muito antes da morte. “Devido ao processo de exclusão familiar, social e escolar”, recorrente entre a população trans, “estima-se que 13 anos de idade seja a média em que travestis e mulheres transexuais sejam expulsas de casa pelos pais”, pontou o documento.
No ano passado, frequentes assassinatos com requintes de crueldade contra a população trans no Estado chamaram atenção da mídia em todo o País. Entre eles, os de Kalyndra Selva, Fabiana da Silva, Crismilly Pérola e Roberta Nascimento – sendo este último o que mais reverberou. Em junho de 2021, aos 33 anos, a mulher transexual foi queimada viva nas ruas do Cais de Santa Rita, no centro da capital pernambucana, onde vivia, e morreu duas semanas depois por não suportar os ferimentos causados em mais de 40% de seu corpo, que resultaram, inclusive, na amputação de seus dois braços.
O apelo do caso foi tanto a ponto do prefeito João Campos (PSB) prometer a construção de uma “Casa de Acolhida LGBTI+”, que levaria o nome da vítima. No entanto, representantes da Rede Autônoma da Travestis e transexuais de Pernambuco (Ratts-PE) divulgaram nota pública no último sábado (29) cobrando a publicação do edital necessário para dar início às atividades, alegando que a Prefeitura do Recife teria se comprometido a fazê-lo até dezembro de 2021. “O atraso de um mês acirra as vulnerabilidades das pessoas LGBT em situação de rua, além de indicar graves inconsistências no compromisso institucional com as vidas trans e travestis recifenses”, pontuou a rede.
O pedido é assinado pela Nova Associação de Travestis e Transexuais de Pernambuco (Natrape), Articulação e Movimento para Travestis e Transexuais de Pernambuco (Amotrans), Monstruosas, Rede de Pessoas Trans Vivendo com Hiv Aids (Rntthp), Rede Nacional de Feministas Antiproibicionistas (Renfa), Grupo de Trabalhos em Prevenção Posithivo (GTP+) e pela Frente Trans PE.